Cada vez mais africanos usam um smartphone. Calcula-se que em 2021 haja mais de 900 milhões dispositivos no continente. Os chineses são os que mais lucram. Mas empresas africanas preparam-se para lhes fazer concorrência.
“Não imagino a minha vida sem smartphone”, diz Lafu Baldé. O quotidiano do pai de família de 35 anos é passado nas ruas de Bissau, onde procura trabalho ocasional. Às vezes ajuda homens de negócios a trocar a moeda. Outras vezes faz recados para lojistas.
“Uso o meu smartphone para me manter em contacto com os meus clientes aqui em Bissau, mas também com os meus amigos e conhecidos em todo o mundo. Para mim, o smartphone agora é quase tão importante quanto a eletricidade, água ou pão”, afirma Baldé à DW.
77 por cento dos africanos têm menos de 35 anos. Muitos usam smartphones. “Usamos telemóveis para fazer transferências bancárias, por exemplo. Compramos crédito móvel e enviamos por SMS para parentes e parceiros de negócios no país. Eles podem resgatá-lo em qualquer lugar”, diz Lafu Baldé. Hoje também é possível pagar a conta de eletricidade com um smartphone. Em algumas universidades pode-se fazer a inscrição online. Muitos serviços públicos e do Estado processam documentação na rede virtual.
O mercado de smartphones em África é altamente competitivo, mas poucos dispositivos são pensados para atender às necessidades específicas de clientes africanos. A empresa chinesa Transsion foi das primeiras a reconhecer isso, o que a ajudou a tornar-se líder no mercado africano nos últimos dez anos. Segundo informações da empresa, a Transsion Holdings já vendeu mais de 130 milhões de telefones Tecno e Itel em África.
“É assim mesmo que os smartphones têm de ser”, diz Lafu Baldé. Ele próprio comprou recentemente um telemóvel da Transsion: “Só custou 50.000 francos CFA (cerca de 76 euros) e tem tudo o que precisasmos aqui em África: o acesso às redes sociais mais importantes é pré-instalado, o dispositivo é robusto e a bateria dura vários dias em modo de espera. Só posso agradecer aos chineses por nos terem facilitado o acesso à Internet”. Além disso, os telefones Transsion têm menus de usuário em vários idiomas africanos e geralmente oferecem espaço para dois cartões SIM. Algo muito apreciado pelos clientes.
A Guiné-Bissau não é um caso isolado. Também no Senegal ou na Nigéria, o país mais populoso de África, dominam os telemóveis chineses. Os chineses são também líderes de mercado no segundo maior mercado da África subsariana, a Etiópia. A Transsion foi a primeira empresa não-africana a introduzir fontes amáricas e suporte pós-venda em amárico há quase 10 anos.
De acordo com informações do programa chinês da DW, poucas pessoas na China estão cientes do grande sucesso dos telemóveis Transsion no mercado africano. A empresa só abriu o capital em finais de setembro, e no primeiro dia na bolsa atingiu uma capitalização de seis mil milhões de dólares norte-americanos.
Segundo a equipa editorial da DW China, a Transsion começou a focar-se em África em 2008. E a estratégia da empresa teve um sucesso retumbante: em 2018 vendeu 124 milhões de telemóveis na África subsaariana. Hoje detém uma quota de mercado africano de quase 50%.
“A arma secreta da Transsion é o baixo preço”, diz o especialista chinês em tecnologia Wang Ting em entrevista à DW. A empresa também analisou cuidadosamente as necessidades dos utilizadores africanos e orientou os seus telemóveis nesse sentido. “Por exemplo, as câmaras da Transsion reconhecem rostos negros em situação de baixo contraste muito melhor do que as câmaras convencionais”, diz Ting. A equipa da Transsion está firmemente enraizada nos mercados africanos e continua a investir fortemente em investigação e desenvolvimento. A empresa chinesa continuará a dificultar a vida a potenciais concorrentes.
Mas há um primeiro fabricante africano determinado em firmar pé no mercado de smartphones: a Mara Phone. Segundo o Governo ruandês, a empresa é financiada por Ashish Thakkar, um empresário do Dubai. No início de outubro, o Presidente de Ruanda, Paul Kagame, abriu na capital Kigali a primeira fábrica de smartphones produzidos em África. Apenas dez dias depois, seguiu-se a segunda unidade fabril, esta em Durban, na África do Sul.
Os Mara Phones são baseados no sistema operacional Android da Google, que, por exemplo, adapta o acesso a plataformas sociais às necessidades dos utilizadores africanos. Por enquanto está ainda prevista uma produção anual modesta de cerca de 1,2 milhões de aparelhos. Mas isso está prestes a mudar.
“O Governo ruandês apoiou ativamente desde o início este projeto de alta tecnologia para a África, feita em África”, diz Clare Akamanzi, da agência de desenvolvimento estatal ruandesa RDB. “Estamos entusiasmados com este projeto, porque facilita o acesso de africanos a smartphones poderosos.” Segundo dados da RDB, apenas 13% dos ruandeses têm um smartphone. “Estamos decididos a dar um grande salto em frente no desenvolvimento no nosso país e promover a mudança digital”, disse Akamanzi à DW.
O Ruanda está a fazer grandes progressos em termos de digitalização. Há dois anos, a administração pública colocou em linha uma plataforma chamada Irembo (portão), através da qual todos os cidadãos têm acesso digital a todos os serviços públicos, incluindo através de smartphones. “Por exemplo as requisições de bilhetes de identidade podem ser feitas online. Por isso é muito importante para nós que os cidadãos tenham smartphones para que possam usar os nossos serviços online”, diz Akamanzi.
O interesse em smartphones “made in Africa” também cresce noutros países. “Ouvi falar dos novos telemóveis africanos de Kigali e estou muito curioso para saber quando chegarão aqui a Bissau. Fico orgulhoso de saber que também existe um telemóvel que é produzido inteiramente em África”, diz Lafu Baldé. Ele gostaria de comprar um telemóvel africano se a relação preço/desempenho fosse tão boa como a dos chineses. Mas chegou-lhe aos ouvidos que o dispositivo mais barato da Mara custa à volta de 130 euros, “o que é claramente demasiado”, diz Lafu Baldé.
O que Baldé precisa acima de tudo são baterias mais potentes. A falta de eletricidade continua a ser um grande problema, especialmente nas zonas rurais. “Muitas vezes, os meus parentes no interior do país têm que caminhar vários quilómetros para recarregar o telemóvel”, diz.
Agora, existem pequenos sistemas domésticos de energia solar que são uma solução prática para carregar telemóveis em áreas remotas e sem eletricidade. A empresa queniana M-Kopa vende estes sistemas no Quénia, Tanzânia e Uganda. Eles vêm equipados com os acessórios apropriados, como baterias, cabos de carregamento para todos os tipos de conexões de telefonia móvel, rádios com baterias recarregáveis e lâmpadas LED de longa duração. É um bom modelo de negócio, diz Lafu Baldé: “Em áreas remotas da Guiné, há pessoas que criaram o seu próprio sistema minisolar e ganham a vida a recarregar telemóveis e smartphones”.
Por: António Cascais/DW