Um marco histórico para o desenvolvimento cultural e artístico de Cabo Verde foi alcançado com a introdução da licenciatura em Artes Cênicas, oferecida recentemente pela Universidade Lusófona do Mindelo. João Branco, Gestor Cultural, Programador, Investigador e Encenador de Artes Cênicas, compartilhou sua visão sobre a importância deste feito inédito em uma entrevista exclusiva ao Notícias do Norte.
Para João Branco, a iniciativa representa um avanço crucial para o país, elogiando a coragem da Universidade Lusófona do Mindelo ao criar a licenciatura. Destacou ainda a necessidade de uma abordagem contextualizada e adaptada à realidade cabo-verdiana, evitando a simples replicação de modelos estrangeiros.
Notícias do Norte (NN) –Qual é a importância da introdução da licenciatura em Artes Cênicas em Cabo Verde para o desenvolvimento cultural e artístico do país?
João Branco (JB) – Considero que é um momento histórico para o desenvolvimento cultural e artístico do país que já era merecedor e que deveria ser dado, fosse pela Universidade Pública de Cabo Verde, fosse por uma universidade privada. Foi uma privada, neste caso a Universidade Lusófona de Cabo Verde, e está de parabéns pela coragem e pertinência da iniciativa.
NN – Quais foram os principais desafios enfrentados para concretizar esse marco histórico na educação artística em Cabo Verde?
JB – Penso que o maior desafio foi não cair na tentação de fazer um “copy-paste” de licenciaturas estrangeiras – nomeadamente de Portugal ou Brasil – cuja realidade sociocultural e económica é completamente distinta da cabo-verdiana.
Já vimos esse erro ser cometido tantas e tantas vezes, não apenas no ramo da educação, como em outras áreas da intervenção pública, pelo que é com grande satisfação que se percebe que o Plano de Estudos aprovado foi construído tendo em conta o contexto nacional. Esse é, do meu ponto de vista, meio caminho andado para o sucesso da iniciativa.
NN – Como a formação em Artes Cênicas pode influenciar e potencializar o cenário cultural local, promovendo a expressão artística e a diversidade cultural no país?
JB – Sempre disse, e isso não é opinião, é facto, que o desenvolvimento de qualquer atividade, seja qual for o seu campo, passa pela aposta na formação, dos recursos humanos. Sem isso, nada avança. Nesse sentido, uma iniciativa como esta pode influenciar e potencializar o cenário cultural local – e diria mesmo, regional – a curto, médio e longo prazo.
NN – De que forma esta licenciatura em Artes Cênicas pode contribuir para o estímulo da criatividade e inovação no campo das artes, proporcionando oportunidades para os jovens talentos cabo-verdianos?
JB – No seguimento da resposta anterior, penso que o contributo para a criatividade e inovação será efetivo até porque esse é um dos objetivos de qualquer formação no domínio das artes, mais ainda, a este nível, do ensino superior. Se não contribuir, é porque não está a cumprir a sua missão. Mas pensamos que será um importante contributo, sim.
NN – Quais são as expectativas em relação ao impacto desta licenciatura no futuro da produção teatral e artística em Cabo Verde, e como isso pode se refletir na cena cultural nacional e internacional?
JB – Reparem: o Centro Cultural Português do Mindelo promove, desde 1993, cursos de teatro. Começamos com um curso de iniciação teatral e realizamos 18 edições. A última, a 18ª, já tinha uma estrutura próxima de um curso profissional.
E nestes 30 anos de firme aposta na formação, ainda que de caráter informal, pois não estava integrada no sistema oficial de ensino, o teatro na cidade do Mindelo deu um salto quantitativo e qualitativo não só gigantesco, como inegável.
Uma imensa percentagem dos agentes teatrais que fizeram teatro no Mindelo nos últimos 30 anos passaram por esta formação.
Alguns foram continuar os estudos no estrangeiro. Outros foram para outras ilhas e deram por sua vez cursos nesses locais. Muitos dos agentes teatrais que estão neste momento a dar aulas de teatro em Cabo Verde fazem-no tendo por base o que aprenderam no curso de teatro do CCP.
Estruturas de teatro se formaram como resultado desta dinâmica. E todos estes aspetos, que são factuais, foram resultado de um curso de teatro informal sem integração nem reconhecimento oficial.
Agora, imagine-se o que se poderá conseguir com uma licenciatura que, ainda que integrada numa universidade privada, para existir, teve que passar por um exigente crivo da Direção Geral do Ensino Superior para ter autorização oficial! Basta analisar com um pouco de atenção a história do teatro em Cabo Verde nas últimas décadas para termos uma noção do impacto que uma licenciatura como esta pode gerar no panorama cultural e teatral das ilhas.
AC – Estagiária