Duas décadas depois das primeiras eleições autárquicas, democráticas, em Cabo Verde, o Poder Local constitui um dos pilares fundamentais da afirmação e consolidação do Estado de Direito Democrático e da “Boa Governança” em Cabo Verde.
A Constituição da República consagra “a existência e a autonomia do Poder Local e a descentralização democrática da Administração Pública”, no quadro do nosso Estado de Direito Democrático (artgo2º,nº2 da Constituição da República). A Constituição da República previu ainda que, a organização do Estado compreende a existência de autarquias locais, pessoas colectivas públicas territoriais dotadas de órgãos representativos das respectivas populações, que prosseguem os interesses próprios destas (artigo 230º, nº1 e 2 da Constituição da República).
O municipalismo cabo-verdiano tem tido uma evolução positiva de 1991 a esta parte, atendendo a qualidade do exercício do Poder Local praticado em Cabo Verde e aos impactos e resultados da governação local junto das populações:
O municipalismo caboverdeano tem afirmado e credibilizado junto dos munícipes como um verdadeiro Poder Local, o poder mais efectivo e próximo do cidadão, despertando um grande
Interesse e participação das pessoas, o que pode ser avaliado pela importância e níveis de participação dos cidadãos nas actividades do seu município e nas eleições municipais em todo o Pais, com taxas de abstenção decrescentes. Estudos de opinião produzidos por varias instituições, Universidades e empresas privadas especializadas, confirmam a valorização e utilidade do Poder Local democrático para cidadãos caboverdeanos e estrangeiros residentes em Cabo Verde com direito ao voto.
O poder Local em Cabo Verde tem trabalhado arduamente para cumprir as suas obrigações e atribuições no quadro das competências atribuídas pela Constituição da República, Estatuto dos Municípios e demais leis que enformam o Poder Local democrático e autónomo.
O principal ponto fraco do Municipalismo caboverdeano tem sido o quadro de relacionamento com o Governo caracterizado, na última década, por um relacionamento pouco transparente e instável, quer a nível da participação e contribuição das autarquias no desenvolvimento municipal, quer a nível institucional.
O Governo tem pautado por uma atitude de desconfiança no seu relacionamento com os municípios, adoptando uma estratégia centralizadora e de permanente disputa política e eleitoral com as Autarquias Municipais, desequilibrando e criando instabilidade no real exercício do poder local autónomo, consagrado na Constituição da Republica.
A consequência desta política centralizadora e errada do Governo é o notório retrocesso no processo de descentralização em Cabo Verde, o que começa a por em perigo a democracia local e os ganhos conquistados no processo de desenvolvimento Municipal, nas ultimas duas décadas.
O Governo e o Partido que o suporta na sua sanha centralizadora, uma marca própria da sua génese ideológica e política, adoptou e continua com a sua estratégia de sufocar e esvaziar as autarquias municipais, contornando a autoridade municipal com a criação e apoio a associações comunitárias de natureza eminentemente partidária, que funcionam na maioria dos casos como verdadeiras “CâmarasParalelas”, desviando do espírito associativo e constituindo em verdadeiros grupos manipulados pelos comissários do partido no poder, gerindo avultados recursos públicos e exercendo em muitos dos casos oposição aos órgãos municipaisdemocraticamente eleitos, desvirtuando o sentido de prestação de serviço colectivo duma verdadeira Associação Comunitária cuja finalidade é servir a sua comunidade.
Esta prática do Governo é ilegal e inconstitucional, pois manipula e violaperigosa e grosseiramente os princípios de subsidiariedade e complementaridade que devem definir o relacionamento entre o governo e as autarquias locais nos termos da Constituição da República (Artigo…..).
A recentralização dos serviços de promoção social a nível nacional e a tentativa de reinstalação das Direcções Regionais dos serviços desconcentrados do Estado em varias ilhas, medidas tomadas unilateralmente pelo governo sem audição prévia dos municípios, representa claramente um retrocesso no processo de reforma do estado e da descentralização, constituindo uma ameaça séria a autonomia e poderes dos municípios, consagrados na Constituição da República.
A governação do PAICV, na última década, tem sido caracterizada por uma concepção centralizadora no exercício do poder pelo Governo e ausência de reformas estruturantes e coerentes no Poder Local, privilegiando reformas tendenciosas e medidas que diminuam ou limitem os poderes próprios dos municípios e a autonomia do Poder Local consagrada na Constituição da República, são os casos mais flagrantes: Lei da cooperação descentralizada; Lei-quadro da descentralização; decreto-lei que aprova as bases do Ordenamento do Território e planeamento Urbanístico; Decreto-lei que estabelece os princípios e normas de utilização dos solos, taxa rodoviária;
Esta atitude centralizadora do Governo e a tentativa permanente de atrofiamento do poder Local e invasão da sua autonomia, tem dificultado e em muitos casos bloqueado a construção de entendimentos políticos com a oposição democrática no Parlamento, para as reformas necessárias visando o reforço e a sustentabilidade do poder Local em Cabo Verde, tais como: Proposta de lei que estabelece o regime jurídico de organização e funcionamento dos Municípios e suas Associações, bem como o quadro de competências, abreviadamente designado por Estatutos dos Municípios; proposta de Lei da Tutela Administrativa, Taxa Ecológica, Taxa de Iluminação Publica entre outras.
Esta concepção centralizadora no exercício do poder, tem impossibilitado o diálogo positivo e a concertação necessária do Governo com as autarquias locais em matérias essenciais e relevantes para o desenvolvimento Municipal tais como: programas de infra-estruturação dos Municípios, saneamento e abastecimento de água, drenagem de águas pluviais, requalificação urbana, habitação de interesse social, programas de criação de rendimentos ou luta contra a pobreza, promoção social, segurança, promoção de investimentos
A autonomia do Poder Local passa, obrigatoriamente, pela sua verdadeira autonomia financeira e patrimonial, bem como a justa repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias no âmbito do regime de finanças locais. (Artigo 233º, nº1 e 2 da Constituição da República).
O Governo do PAICV não cumpre e não respeita o regime das finanças locais, Lei nº 79/VI/2005 (Finanças Locais), promovendo, intencionalmente, o sufoco e a descriminação financeira dos Municípios em função da sua conveniência política. Este quadro negativo e de sufoco são justificados com as seguintes situações:
Muitos municípios, não obstante a este quadro de dificuldades financeiras e institucionais, avançaram com soluções inovadoras e conseguiram atingir muitos dos objectivos preconizados, resistindo a teia centralizadora e bloqueadora do sistema do Governo do PAICV, recorrendo ao crédito bancário e lançamento de obrigações na Bolsa de Valores de CV,
Vários projectos foram desenvolvidos com recurso a cooperação descentralizada, financiados através de linhas de crédito especiais para os municípios, programas desenvolvidos com a União Europeia, câmaras geminadas, fundos disponibilizados por Países que apostam na cooperação descentralizada tal é o caso de Luxemburgo, Holanda, USA, França, Áustria, Espanha, entre outros.
Em muitos municípios desenvolveram projectos na base de parcerias “público-privado”, principalmente na infra-estruturação pública e requalificação urbana,
Aconteceram em muitos municípios a criação de empresas municipais e participação em empresas de capital misto publico e privado em áreas fundamentais tais como, distribuição de água e saneamento, habitação social e económica, recolha de resíduos sólidos e seu tratamento,
As fragilidades técnicas dos quadros de pessoal dos municípios continua sendo um dos grandes constrangimentos na organização e modernização dos Municípios em Cabo Verde.
A ausência dum Plano de Cargos, Carreias e Salários adaptado as necessidades e realidades municipais, como previsto no Artigo 237º, nº 1 e 2 da Constituição da República, vemdificultando os municípios na contratação de capacidade técnica de qualidade e especializada para promoverem a modernização municipal e montagem de Gabinetes Técnicos e de Estudos com a sofisticação e qualidade exigidas pelo próprio processo de desenvolvimento dos municípios.
Duas décadas depois é preciso reflectir profundamente sobre que modelo de Poder Local melhor se adapte a nossa realidade insular e arquipelágica, de uns pais de parcos recursos naturais, com cerca de 500.000 habitantes e com uma diáspora, espalhada pelos quatro continentes do mundo, equivalente a sua população residente. Uma nação com uma rica cultura e identidade histórica, marcada por especificidades culturais e naturais no mosaico das ilhas.
Cabo Verde necessita optar por um modelo de Poder Local robusto, moderno, próximo das pessoas,para enfrentar os desafios do presente e do futuro, para tornar o Pais maiscompetitivo e lançar num processo sustentado de desenvolvimento económico e social. Um Poder Local com sustentabilidade financeira e sentido de prestação do serviço público, um Poder Local exigente na eficácia e na eficiência da gestão dos recursos públicos.
A complexidade dos desafios de desenvolvimento nacional, regional e local exigem um novo paradigma para o municipalismo em Cabo Verde, exige uma ampla reforma do sistema de Poder Local, visando os seguintes eixos estratégicos:
Equilibrar a desproporção e disparidade existentes actualmente entre as competências e atribuições dos municípios e os recursos necessários para os executar;
Duasdécadas na construção dum Estado de Direito Democrático, de um poder local autónomo e a descentralização democrática da Administração Publicaleva-nos a reflectir e debater, o modelo de organização do Estado que melhor se adapte à realidade física e humana de Cabo Verde, por forma a optimizar os recursos e as oportunidades.
No conjunto de tarefas que Cabo Verde precisa realizar é preciso definir claramente, quais as que devem caber as entidades públicas, e quais as que devem caber a sociedade civil e suas associações, aos cidadãos, e às empresas. No conjunto de tarefas que cabem as entidades públicas (Educação, saúde, ambiente e agricultura, turismo, industria, cultura, desporto, tecnologias…) definir que tarefas deve ser atribuídas aos serviços da administração central do Estado, às administrações regionais e às entidades municipais.
Uma reforma de Estado que se preze deve responder a essas questões, que são questões de regime e deverá exigir amplo debate e consenso entre os vários atores com responsabilidade na área do poder.
É minha convicção que os desafios de desenvolvimento de Cabo Verde exigem uma Reforma do Estado, visando estrategicamente a reestruturação e modernização da Administração Publica, o aprofundamento e reforço da Descentralização da administração do Estado, a Regionalização Administrativa e Política do Pais.
A regionalização impõe-se hoje como uma prioridade nacional em matéria de Reforma do Estado, adaptando a organização do Estado à nossa realidade arquipelágica, com o objectivo de descentralizar e aproximar os centros de decisão e de poder das ilhas, no quadro da fixação dum mapa de regiões.
Começa a desenhar um amplo entendimento nacional sobre o cenário, mais viável e justificado, da divisão de Cabo Verde em nove regiões, coincidentes com as ilhas habitadas,“Ilha/Região”.
As regiões (“Ilha/Região”), serão espaços sociais, económicos, naturais e culturais, dotados de autonomia própria. A região será um espaço irredutível da liberdade e da criatividade.
Nesta perspectiva, com a Regionalização de Cabo Verde, as ilhas serão encaradas como economias integradas e complementares, com funções de desenvolvimento económico e social, capacidade decisional e recursos financeiros e orientadas para a conexão com o mundo na base do seu capital territorial (riquezas humanas, culturais, patrimoniais, naturais e especificidades próprias que podem ser valorizadas) e da sua competitividade territorial(ambiental, social, económico e de posicionamento global).
Esta reforma da regionalização do Pais implica estudos concretos de diferentes cenários possíveis e um amplo e descomplexado debate nacional, visando a definição e consensualização das melhores opções de regionalização em Cabo Verde, fixando as competências e atribuições a serem descentralizadas para as Regiões, nos diferentes sectores de actividades da Administração do Estado (educação, ensino superior, formação profissional, saúde, desenvolvimento rural e ambiente, ordenamento do território e cadastro, infra-estruturas regionais, promoção de investimentos a nível regional, turismo, industria, desenvolvimento tecnológico e parques industriais, habitação de interesse social, programas estruturantes de criação de riqueza e promoção do empreendorismo, programas de promoção de PMEs, protecção civil…).
É preciso uma consciencialização nacional de que Cabo Verde é um Pais arquipelágico, fortemente marcado pela insularidade, e que cada ilha possui elementos de identidade, de capital e competitividade territorial, que aumentam sinergicamente o potencial de crescimento e de desenvolvimento do Pais.
Engº Jorge Santos
ARTIGO DIGNO, INTELIGENTEMENTE APRESENTADO, SEM VESTÍGIO PARTIDÁRIO. ACHO QUE DEVE SER LIDO POR TODOS OS CABOVERDEANOS INDEPENDENTEMENTE DA CÔR POLÍTICA. FORÇA.