Cada reservatório vai encaixar numa motobomba de pulverização, com alças, para se colocar às costas, ligada a um tubo pulverizador de alta pressão, pronto a disparar.
A batalha de hoje desta brigada é dirigida a uma espécie muito mais pequena, mas que representa uma ameaça crescente no arquipélago e no mundo: o mosquito Aedes aegypti, vetor de propagação do vírus da febre de dengue, desde 2023 declarada como um surto global de grau 3, o nível mais elevado de emergência, pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Cabo Verde soma duas mortes e mais de oito mil casos de uma infeção capaz de deixar qualquer um prostrado durante dias a fio, até passar, podendo provocar a morte nos casos mais graves.
O arquipélago tem problemas básicos de limpeza e saneamento do meio, razão pela qual, ao lado dos pulverizadores, avançam para os bairros equipas de limpeza e sensibilização dos residentes.
Mas a dengue está a crescer em todo o mundo, potenciada também pelo aquecimento global, que favorece a reprodução dos mosquitos, e o trabalho destas brigadas em Cabo Verde retrata uma batalha que está a chegar a cada vez mais partes do globo.
Os mosquitos estão na mira de Maria da Luz Lima, presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP) de Cabo Verde, coordenadora da resposta à dengue.
“O Aedes é um mosquito que existe por todo o mundo, é diferente do Anopheles”, mosquito que propaga a malária, “que precisa de zonas mais quentes e com mais humidade, o que faz com que haja mais casos de malária na Ásia e África” — doença que Cabo Verde conseguiu erradicar no início do ano, com certificação da OMS.
O Aedes, que também propaga chikungunya, zika e febre amarela (todos da família das arboviroses, como a dengue), “adapta-se facilmente a vários ambientes. Requer mais atenção” e até pode circular em mercadorias.
Uma das formas de combater a dengue é conter a multiplicação do mosquito e Cabo Verde conseguiu equipar 32 agentes com bombas e pesticida para uma campanha de 20 dias de pulverização, concentrada na Praia, que junta a maioria dos casos.
No meio do bairro de São Filipe, onde casas degradadas alternam com novas, Nelito Moreno descreve a infeção como um prejuízo para as famílias: “Ficas vários dias em casa, sem poder trabalhar”, uma quebra no rendimento que todos querem evitar.
Ali ao lado, membros das equipas de luta antivetorial estão cobertos com fato de proteção, luvas e máscara, avançando pelas ruas, ao som das motobombas, pulverizando árvores, arbustos, zonas verdes, escombros de obras e habitações com pesticida.
“Isto anda umas vezes direito, outras ‘mareado'”, expressão tradicional usada por Nelito, em crioulo, para dizer que hoje está tudo bem, com a pulverização, mas receia o regresso de focos de insalubridade.
Uma família corta carne num alguidar, num recanto da rua, com um grelhador, num retrato típico dos bairros do arquipélago, onde as atividades do dia-a-dia decorrem fora de casa, na rua, em comunidade.
Ao lado está um balde cheio de restos a atrair moscas e todo o tipo de insetos, propício à incubação de mosquitos e que está na mira das equipas de sensibilização, assim como águas paradas, junto aos escombros de obras que pontuam a paisagem, a par de zonas de lavagem de carros.
Entretanto, alguns moradores correm até à brigada de pulverização, a pedir que deitem pesticida em locais específicos perto das habitações.
“O mais importante é envolvermos a comunidade, informar, indicar o que deve ser feito para eliminar os focos de mosquitos e só assim poderemos vencer a doença”, explicou o major Domingos Tavares, presidente do Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros.
Além das brigadas no terreno, há toda uma máquina menos visível a fazer vigilância epidemiológica, nos pontos de entrada do país e unidades de saúde, pronta a rastrear focos de doenças.
A OMS lançou no início do mês um plano estratégico global para combater o aumento da dengue e outras doenças arbovirais transmitidas pelo Aedes, estimando que quatro mil milhões de pessoas estejam em risco de infeção por arbovírus em todo o mundo e que este número aumente para cinco mil milhões, até 2050.
O número de casos tem duplicado anualmente desde 2021, com mais de 12,3 milhões de casos até ao final de agosto – quase o dobro dos 6,5 milhões de casos notificados em todo o ano de 2023 -, exigindo “uma resposta coordenada em todos os setores e além-fronteiras”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
No Brasil, as autoridades lançaram em setembro uma nova campanha contra a dengue, que provocou 6,5 milhões de infeções e 5.360 mortes no país sul-americano, apenas em 2024.
Filomena Martins Pereira, vice-diretora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) de Lisboa, disse à Lusa, há um ano, que “tendo em conta as alterações climáticas” e o aquecimento global – que favorece a multiplicação dos mosquitos -, infeções como a dengue “estão condenadas a aumentar e sobretudo a espalhar-se”.
Em Cabo Verde, as autoridades estimam que, com o fim da época das chuvas, a epidemia tenha chegado ao pico e que o número de novos casos comece a baixar.
Por enquanto, até ao meio de novembro, os sons das motobombas de pulverização nos bairros da Praia vão ser o sinal mais visível de uma luta que chega a cada vez mais partes do mundo.
Lusa