Ao olhar para a fotografia do palanque do comício eleitoral do PTS, a imagem transmitiu-me a sensação daqueles dias em que o vento agreste fustiga o corpo e endromina o prazer das noites olorosas de Mindelo. Pode ser uma simples impressão minha, só porque corria o mês de Fevereiro, propício a vento e “bruma seca”.
Onésimo Silveira falava para os adeptos da sua causa, tentando explicar-lhes, com a sua natural veia discursiva, que S. Vicente se perdera na curva assimétrica do destino das ilhas. Postergado pelas políticas dos homens, desviado das rotas antigas, macerado na sua identidade cultural. O extracto sucinto da reportagem jornalística, que me era presente, referia as linhas de força do seu verbo, mas ao jornalista talvez tenha escapado algo de simultaneamente romântico e espectral naquela imagem fotográfica captada na poalha da noite. Provinha talvez das longas barbas brancas do veterano da política, que, só por si, infundiam a magia hipnótica do seu instinto. Convenci-me de que, como sempre, ele estaria ali a jogar com a letra perfeita do léxico de uma arte refinada por muitos anos de caminhada pelos trilhos da política.
O público ali presente encontraria, ou não, motivos de encantamento nas palavras do político-poeta, ou do poeta-político. Porque a política só ganha se na poesia colher o aroma balsâmico para a aspereza, a agressividade e a incontinência verbal. Mas Silveira deve ter feito a mediação certa entre o lirismo e a retórica política para afinar o tom e o modo na sua crítica a quem achava responsável pelo estado actual da sua ilha. Fiel ao seu passado, e fiando no seu faro político, arvorava a bandeira do inconformismo que o caracteriza, espetando-a no chão das suas sínteses estratégicas. O tempo viria a dizer se ele foi ou não convincente, do alto do púlpito em que fez uso da palavra.
Mas quem é este veterano da política cabo-verdiana, este homem de barba mefistofélica, que nos faz olhar para a política não apenas como um imperativo cívico mas também como uma romântica aventura humana? Não tenho nem nunca tive qualquer relação pessoal com o Onésimo Silveira, mas, como ele pertence àquela estirpe de seres que saltam facilmente para a luz, conheço-o como todo o cabo-verdiano que se preze, tendo acompanhado os passos mais marcantes do seu percurso. Contudo, a memória pessoal mais impressiva que dele guardo recua a tempos muito antigos, naquela idade em que as meninges infantis recortam e guardam para sempre o que mais impressiona. Era eu ainda menino de escola primária e ele estaria nos últimos anos do liceu. Passava diariamente na minha rua, no trajecto entre a casa e o liceu Gil Eanes, e recordo perfeitamente que o Onésimo despertava nos rapazes mais novos uma curiosidade reverencial, pelo seu ar resoluto e desafiador. Aliás, a personalidade forte e o espírito determinado viriam a determinar o rumo que cedo deu à vida. É assim que, decididamente, deixa Cabo Verde e acaba por rumar à Suécia, onde se licencia, não tardando a ganhar notoriedade como poeta, intelectual e opositor à política colonial, com ligação ao PAIGC. Cerca de 10 títulos literários, entre poesia, conto e prosa do género ensaístico, atestam o vigor da sua cultura. O exercício de um alto cargo na ONU e, posteriormente, como embaixador de Cabo Verde em Portugal, provaram a sua capacidade diplomática e política. Nestas últimas funções, encontraria terreno de eleição para arvorar uma importante bandeira, talvez das que lhe são mais queridas – a da solidariedade humana.
Como quase toda a figura pública, Onésimo tem um lado complexo e controverso da sua personalidade, e não faltará quem lhe aponte defeitos, em meio aos atributos que o exornam como ser humano e como político. Mas o amor à terra natal é seguramente um profundo estado de alma que se lhe tem de reconhecer e enaltecer. Outro teria feito render o mais possível o prestigiante e dourado cargo na ONU. Ele preferiu regressar para participar activamente na política do seu país, e se bem o pensou melhor o fez, criando um movimento político com o qual ganha as eleições autárquicas, passando a ser Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente, em dois mandatos consecutivos.
Pela sua acção como edil, é unanimemente reconhecido como o obreiro da transformação de Mindelo no pós-independência. Realce-se, com efeito, a coragem com que quebrou rotinas pastosas na acção administrativa e fez avançar o progresso urbano da cidade, derrubando, ao mesmo tempo, tabus e preconceitos introduzidos pela sanha revolucionária que ameaçava adulterar e desfeitear a história da cidade. Estátuas de tempos idos que haviam sido desmontadas foram recolocadas nos seus pedestais. Impediu-se assim o sacrilégio de atentar contra o imortal Camões ou figuras como o ilustre estadista e humanista Sá da Bandeira, amigo de Cabo Verde. Ruas que haviam sido violentadas na sua identidade toponímica foram recuperadas para a veracidade histórica, e outras passaram a consagrar nomes de figuras da terra. Esta reposição de valores e princípios que preservam a identidade, só está ao alcance de quem ousa influenciar os acontecimentos, mesmo arrostando o desconforto de reacções adversas. Não fosse a sua acção determinada, a memória da cidade não se teria ressarcido dos excessos de alguns pseudo-revolucionários na sua ânsia de acerto de contas com o passado. A urbe fica a dever-lhe esta grandiosa bandeira, a da sua identidade resgatada, que deve permanecer hasteada no seu mais alto torreão.
Mais recentemente, Onésimo reapareceu em cena para defender o património histórico-cultural da sua cidade natal, ameaçado pela inoperância da actual Autarquia e pelo desamparo do Governo central. Os resultados ficaram, infelizmente, muito aquém da militância cívica que ele e outros cidadãos de vários quadrantes sociais entenderam protagonizar, mas nessa mesma forja fundiu o aço para a batalha seguinte, a do pleito legislativo, que é onde o surpreendo no cimo do palanque.
Naquela noite eleitoral de Fevereiro, o veterano e incansável Onésimo Silveira “subiu à cruz à frente do seu partido” (1), exangue e de mãos vazias, mas certamente temerário e confiante como sempre, e “o povo acabou por crucificá-lo”(1). Porém, para o alto da cruz levou consigo a bandeira da regionalização, e ali a deixou hasteada. Tremulando no próprio assombro.
As expectativas estão abertas, enquanto ele acumula cicatrizes dos recontros a que não se furta. Porque Onésimo nunca desiste de se bater pela perpetuação do possível, mesmo que a relação ambígua entre a efemeridade humana e a perenidade dos sonhos seja por vezes perniciosa para os cálculos mais ousados. Uma coisa que o deve, no entanto, entristecer é o silêncio de pedra que parece actualmente nimbar a sociedade civil da sua ilha, cristalizando um vidro espesso e opaco que não facilita a auscultação das vontades nem reflecte as antigas reminiscências. Tão intrigante é esta realidade como tão evidente é estarmos a pisar um terreno que reclama a charrua cívica deste intelectual talhado para brandir a palavra e encorajar ao arrebatamento de ânimo.
Seja o que o futuro próximo nos reserva, Onésimo Silveira, com o seu instinto e a sua resiliência, sabe que a fiança tutelar da sua ilha natal nunca lhe será revogada, inclinem-se por onde se inclinarem os ponteiros dos barómetros, sempre sensíveis a ventos e marés.
Inúmeras são as bandeiras das suas pelejas, umas esfarrapadas e postadas em peanhas alinhadas na sua memória, outras incólumes ainda no tecido da sua heráldica, prontas para novas batalhas. Este cidadão não arruma as armas, e nenhum povo, nenhuma pátria, pode licenciar um guerreiro deste calibre. Sobretudo, a ilha de S. Vicente.
(1) Depoimento de Onésimo Silveira em entrevista ao jornal “A Semana”, publicada em 20/02/11, com o título “Só me retirarei da política com a minha morte biológica”.
Tomar, 16 de Março de 2011
Adriano Miranda Lima
(Sou Um cabo-verdiano reformado, residente em Portugal. Nada, mas absolutamente nada, me liga à pessoa de Onésimo Silveira ou ao seu partido político, nem a nenhum dos partidos do expectro político cabo-verdiano. Apenas aqui expresso o meu respeito e o meu apreço pelo intelectual e pelo político, um homem que não desiste de pugnar pelas causas justas da ilha em que ambos nascemos)
O seu artigo está excelente Sr Miranda Lima, mas quem trai uma vez trairá sempre.Não se esqueça para que depois não diga que eu não o avisei.
Este é um autêntico ‘portrait’ político de um personagem central de S. Vicente do Século XX. Quase um ano passado da sua publicação este teu artigo é de uma actualidade espantosas. OS é uma personalidade multifacetada e de uma cultura que a muitos faz inveja, é também controverso na sua cidade mercê das disputas politico-partidárias e do ambiente sulfuroso que se vive e cabo Verde. Como bem afirmaste OS não arruma as armas, e nenhum povo, nenhuma pátria, pode licenciar um guerreiro deste calibre. Sobretudo, a ilha de S. Vicente. Precisamos dele e de muitos outros mindelenses e cabo-verdianos de boa vontade para esta transição do centralismo autoritário para a Regionalização democrática.
Na próxima quinta-feira comenora-se o dia Mundial da Imprensa, para não falar das comemrações do dia da liberdade da Imprensa que foi comemorado no país, na semana passada.
O Eduíno e seus sequazes não deixam exprimir a minha opinião. Costuma-se dizer quem não conheceu a liberdade, não sabe o que significa, por mim estão perdoados na vossa santa ignoraância.
caro Eduardo Monteiro
O senhor está sendo injusto comigo . Não sei o que acontece com o email que utiliza para enviar os comentários o certo é que vão parar no spam.no outro site não tinha acesso aos spam , mas neste tenho acesso e encontrei o seu comentário no spam e marquei como válido tanto que este não foi parar ao spam. Eu tb lhe perdoou pela ignorância .Amigos em nome da liberdade de expressão ?
Caro Eduíno Santos:
Começo por apresentar as minhas desculpas se foi injusto consigo. Nesta página os meus comentários, são ” censuarados” ou sou impedido de escrever, como aconteceu há dias que deixei um comentário por terminar , ficando a meio do texto, depois de escrever algumas palavras alguém nos bastidores, não me deixa escrever , se vou meter um letra ele corre o rato estorvando que insira a letra ou o carácter que pretendo inserir.Ontem abusivamente, deslocou a página inteira com a roa
PARA MIM,ONESIO SILVEIRA
e um politico racista intelectual cujo o desejo dele e separar sao vicente ou ter um
sao vicente independente de cabo verde que isto nunca vai acontecer as ilhas tem que continuar sempre unidas caros irmoes.
Fica assim claro que o Norte de Cabo Verde tem muitas potencialidade e recursos humanos subaproveitados. Basta libertar as energias contidas e verão como cabo verde avançará.
Falo pessoalmento com O Eduíno para tirar esses abusos a limpo
caro Eduardo Monteiro
pela sua explicação , agora entendo tudo . Tem , de certeza , um vírus no seu computador que interfere e por isso o nosso sistema anti. vírus bloqueia os seus comentários
adriano bo ca tem qualqer credibilidade. Fcà qess crise là na Portugal e tchà Soncent em paz por favor!
Adorei este texto redigido com verdadeira arte literária e com verdade. O senhor Adriano Lima está de parabéns ao relembrar ao povo da minha terra que o Onésimo é valor que não se pode perder. Para bem dele próprio e para bem de SVicente vamos esperar que ele enterre algum passado mais confuso na sua vida pessoal e política e seja a voz vibrante para acordar os cidadãos adormecidos ou temerosos
Racista é ese Tony Silva que não dá direito de outros dizerem sua opinião e defender os interreses de sua ilha. Onésimo mete num chinelo todos vocês da Praia. Povo de Soncente tem de levantar ànimo e ir pra frente da defesa da sua ilha cada vez mais abandonada e com séries problema de emprego.